As reações hansênicas são alterações do sistema imunológico que se exteriorizam como manifestações inflamatórias agudas e subagudas. Ocorrem mais frequentemente nos casos multibacilares (MB) e afetam principalmente os nervos e a pele, sendo importante causa de morbidade e de incapacidade neurológica. Podem ocorrer no curso natural da doença levando à suspeição diagnóstica de hanseníase, durante ou após o tratamento com poliquimioterapia (PQT).
Ocorre em indivíduos que apresentam boa resposta imune celular para destruir bacilos. Manifesta-se na pele por manchas ou placas eritematosas, edematosas bem delimitadas, muitas vezes hiperestésicas (revelando acometimento neural importante), descamativas, ulceradas. Também pode apresentar-se como edema de extremidades, com ou sem espessamento e dor em nervos periféricos (neurite).
Ocorre em indivíduos cuja resposta imune celular para destruir os bacilos é fraca, predominando a resposta humoral com depósitos de imunocomplexos que se manifestam em especial por nódulos dolorosos inflamatórios subcutâneos nos membros, mas que podem atingir outras regiões e que nas formas graves podem ulcerar.
Na reação hansênica tipo 2 / eritema nodoso hansênico, o paciente pode apresentar sintomas sistêmicos (febre, mal-estar, dor articular, adenite, mialgia, edema etc) e/ou localizados, como espessamento e dor em nervos periféricos (neurite), epididimite, irite, comprometimento hepático, esplênico. Nestes casos, as provas laboratoriais inflamatórias (como PCR, VHS e FAN) encontram-se alteradas.
Os estados reacionais leves podem ser diagnosticados e tratados na Atenção Básica, por meio do exame físico, com ênfase na avaliação dermatológica e neurológica simplificada, fundamental para monitorar o comprometimento de nervos periféricos e para a avaliação da terapêutica antirreacional. Deve-se indagar o paciente sobre a existência de outros sinais e sintomas como diminuição da força das mãos ou dos pés, obstrução nasal, alteração de linfonodos, nas articulações e/ou nos testículos (dor, impotência etc). Também é importante avaliar sempre, além de toda a pele, os nervos periféricos e os olhos.
Em episódios reacionais graves ou persistentes, deve-se pesquisar recidiva ou resistência medicamentosa e fatores desencadeantes, como comorbidades, em especial as coinfecções por outras doenças endêmicas, como tuberculose, doença de Chagas, hepatites, parasitoses, infecções fúngicas ou bacterianas.
Muitas vezes faz-se necessário o diagnóstico diferencial com outras doenças. Outras vezes, o paciente pode também apresentar doenças concomitantes que agravam e ou mantém o quadro.
Sempre que possível os casos reacionais devem ser encaminhados a um Centro de Referência para confirmação do diagnóstico e tratamento. Casos raros, mais graves, necessitam de atendimento de Emergência, em especial os que apresentam:
Frente à suspeita de reação hansênica, recomenda-se:
As reações hansênicas não contraindicam o início da PQT/OMS, nem a interrupção da PQT/OMS ou o reinício de PQT, se o paciente já tiver concluído seu tratamento.
A suspensão da medicação específica, PQT para paucibacilares (PQT-PB) é recomendada somente quando houver mal estado geral do paciente ou suspeita de efeito adverso a medicamento.
É fundamental sempre avaliar sempre, além de toda a pele, os nervos periféricos e, no caso do Eritema Nodoso Hansênico, examinar também o nariz e os olhos.
Os casos de recidiva em hanseníase são raros em pacientes tratados regularmente com os esquemas poliquimioterápicos recomendados. Na suspeita de recidiva, deve-se encaminhar o paciente a uma unidade de referência (municipal, regional, estadual ou nacional) para melhor avaliação, com a ficha de investigação de suspeita de recidiva preenchida.
O diagnóstico diferencial entre reação hansênica e recidiva é baseado na associação entre exames clínicos e laboratoriais, especialmente com a baciloscopia. Ocorre, em geral, em pacientes com episódio reacional tardio, em torno de cinco anos após a alta.
Recidiva nos casos paucibacilares– deve-se suspeitar de recidiva quando o paciente, após finalizar a PQT, apresentar dor em trajeto de nervos, novas áreas com alterações de sensibilidade, lesões novas ou exacerbação de lesões anteriores que não respondem ao tratamento com corticosteroide nas doses corretas por, pelo menos, 90 dias.
Recidiva nos casos multibacilares- deve-se suspeitar de recidiva quando: o paciente, após alta por cura, apresentar novas lesões cutâneas ou exacerbação de lesões antigas, novas alterações neurológicas, bem como manifestações novas nos olhos, testículos, articulações, gânglios etc., que não respondem ao tratamento com talidomida e/ou corticosteroide nas doses recomendadas por pelo menos 90 dias; houver baciloscopia positiva; e/ou o quadro for compatível com o de pacientes sem tratamento.
O quadro a seguir apresenta critérios clínicos para o diagnóstico diferencial entre reações reversas e recidiva.
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